sexta-feira, julho 27, 2007

Última Página



Sejam bem vindos ao fim do blog Poeta das Nuvens.

Apesar de parecer súbita, essa decisão já havia sido tomada no início do mês. Certas razões e emoções fizeram-me adiar, mas, finalmente, cravo o ponto final e fatal nesse endereço.

Para Joubert, “escrever é estar ao extremo de si mesmo”. Enquanto para Ruth Rocha, publicar para livre acesso os escritos é algo como mostrar-se nu, por todos os ângulos; é, ainda, entregar-se – inerte e indefeso – nos braços do leitor.

Há, portanto, certo desgaste de imagem e cansaço emocional que se acumula até o momento em que se torna impossível continuar sem sofrer. Esse é o meu momento.

Além do que, já há muito que ler e reler por aqui. Os amores que perdi, os amigos que fiz e a família que tenho estão (mesmo que resumidamente) suspensos nas paredes desse labirinto de letras e frases.

Aliás, boa parte desse labirinto está sendo publicada em parceria com a CBJE (Rio de Janeiro). Bibliotecas públicas das cidades que passei, amigos e família começam a receber o livro “Poeta das Nuvens” a partir de 25 de setembro (se YHWH quiser) (as faixas vermelhas não fazem parte do layout da capa, sendo apenas para protegê-la).

Claro que não encerro minha carreira de blogueiro. Vou agora para um Iom Kipur (dia de jejum e expiação) literário para certa purificação que durará dois meses. Logo após o Rosh Hashamá (ano novo judaico (meados de setembro)), recomeço uma antologia num projeto novo (anotem aí): Blog Mar e Sertão. Espero-vos lá.

Agora, depois de dez meses intensos no Poeta das Nuvens, falham-me as palavras para agradecer os acessos e os incentivos que me deram, generosamente. Obrigado por tudo e até breve.

Devo confessar de coração:

Amo-vos, num louco amor sem fim.

Fato, de fato, sem explicação...

Amo-vos assim... porque sim.

Fim do Caminho

Essa é a crônica final do livro. Encerra o site também.

É o fim do caminho...

Antes de se tornar um mega empresário de sucesso, antes de ser um quase Roberto Justus das tesouras, na pequena colina que nasci... Bruno Sarti não tinha muita ocupação e eu, portanto, adiava a salvação do mundo para brincar com ele.

Não éramos meninos travessos. Nossas brincadeiras eram, a meu ver, mais interessantes e inteligentes que a da média. Uma, em especial, voltou à minha mente quando pensava nesse tema "fim do caminho". Escuta aí:

Não sei dizer nossa idade naquela época. Foi tudo antes da Aline, então deve fazer muito tempo. Penso que tínhamos 7 anos, ou menos. Sucedia que imaginávamos uma vida paralela; algo com a mesma temática desse Second Life que faz os cururus acharem 'skin' mais importante que quem a gente gosta. O nosso Second Life era superior (óbvio!) porque dependia apenas de nós mesmos e nossas férteis mentes. O alpendre ou qualquer outro local tornava-se um estúdio para rodarmos a novela da nossa vida paralela.

Nessa 'vida imaginária e sonhada', casávamos com as mais bonitas da cidade e tínhamos os mais belos carros que a indústria lúdica podia fabricar (e nossos pais, coitados, comprar, ou nossas tias-marias nos presentear). Essa 'existência' era até um pouco encenada (outras lembranças me atrapalham, mas parece que sim). Em geral, era mais narrada com poucos adjetivos e verbosidade miúda. Os anos passavam quando anunciávamos: "Aí, eu..."

Como dois librianos, éramos um pouco distantes um do outro; mas essa distância diminuía quando falávamos sobre nossas 'esposas'. "Aí, eu casei.", anunciávamos assim, secamente. "Com quem?", era protocolo o outro perguntar. E a resposta era uma desvelada confissão de culpa (O amor e o sexo nascem nos corações humanos pejados de culpa e embaraço; só depois é que vamos ficamos assim... descarados). "Aí, eu casei com Fulana..." Era difícil, mas sempre resistíamos ao "hummm, to sabendo, hein?!". Há privacidade e espaço nessa amizade que dura até hoje.

- Aí, eu comprei um Gol, dos novo.

- Aí, eu comprei uma casa no prédio. (Com licença, perdoem mais esses parênteses, mas devo explicar: A expressão "no prédio" é um regionalismo colinense, aplica-se somente àquela cidade por se tratar de um município com somente um grande edifício residencial. Portanto, "Bertano mora num prédio em São Paulo" está correto. Enquanto, "Bertano mora num prédio, em Colina" é erro grave, devendo ser substituído por "Bertano mora nO prédio, em Colina". É isso.)

Bem, não pensem, porém, que éramos assim tão auto-congratulantes como parece. Havia momentos tensos e até assaz trágicos:

- Aí, eu sofri um acidente e arrancou uma perna.

- Aí, eu também, mas foi os dois braço.

...

As reticências na linha cima devem-se ao fato de que fiquei estupefato com essas lembranças. Fiquei sem palavras para entender ou explicar essa brutalidade logo na infância e esse estranhíssimo desapego aos membros. Esquisito! Eu culpo a televisão; a Despertai! vai culpar os videogames; e Freud diria que é sexo, tudo é sexo. Ficar adulto é isso: querer achar culpados por tudo o que acontece; se espantar com tudo o que é diferente da nossa espantosa rotina.

Lá no universo infantil tudo pode e nada traz esse espanto, ou pudor. Lembro até que dizíamos isso com certa naturalidade... mascando um pedaço cheio de nervos de boi morto.

Entretanto, a magia não estava em ficar pulando feito Saci ou com os dois braços escondidos na blusa. Repare no que anunciaríamos pouco depois:

- Aí, cresceu outro braço.

Essa era a mágica! Essa é a magia de ser criança. Se o Pica-pau dá uma machadada na cabeça no Zeca Urubu ela afunda no pescoço e reaparece logo depois. Se o Mário Bros cai no lago de fogo e fecha os olhinhos em cruz, a tela pisca e lá está ele de novo com seu uniforme vermelho e sua boina do Village People.

No mundo de uma criança, não existe "fim do caminho". Lá não entra nossas costumeiras frases de adulto: "Estou perdido", ou "Agora, não tem mais jeito..." Que nada! Tudo é possível. Tudo tem solução. Tudo volta ao normal. Tudo sempre foi normal.

Até hoje, quando deito aqui no solar ou lá na areia da praia para ver as nuvens passar, fico tentando lembrar onde foi que esqueci essa capacidade de não duvidar do final feliz. Será que ela foge com medo dos problemas 'maiores'? Ou é nossa visão que vai diminuindo até o ponto crítico de atribuir as soluções ao dinheiro ou a políticos?

Dessa vez eu vou culpar o Bush; a Despertai! vai culpar a internet; e Freud diria que é sexo, tudo é sexo. No entanto, a verdade é que, com o passar do tempo, vamos deixando de lado essa capacidade de sonhar, imaginar, acreditar e enxergar o pote de jujubas no final do arco-íris.

A alegria e a satisfação de estar vivo estão perdidas na nossa própria infância, esperando (confiante!) que a encontremos novamente, para voltarmos a enxergar todo 'fim do caminho' como apenas mais um recomeço. Eis o tal 'segredo da felicidade'.

Águas de Março - É pedra...

Todas as tardes de sábado, os meus dois amigos Brunos e eu saíamos para um city tour pela ‘megalópole’ que é minha terra natal. O roteiro era sempre óbvio: Recinto Nove de Julho, Ponte Alice Dias e uma passada na Sorveteria Dubon pra terminar.

Naquele sábado, excepcionalmente, uma quarta pessoa integrou nossa comitiva bandeirante. Renan era, na época, terrível. Terrível, não; desculpem, exagerei. Renan era um garoto travesso (ou ‘menino malino’, em baianês). A estação de trem estava abandonada e Renan sugeriu que quebrássemos as vidraças todas.

“Quebrar?! Quebrar vidraças?! Quebrar as vidraças pagas pelo erário, numa típica construção ítalo-portuguesa do fim do século XIX?! Quebrar as vidraças de um bem público e que em breve poderá se tornar patrimônio cultural pelo seu valor histórico da áurea era do café no norte paulista?!”, pensei. (É pensei tudo isso mesmo! Raciocínio rápido?! Você acha? Ah, obrigado; é bondade sua.)

Mas continuando, sempre fui o ‘Lineu Silva’ da turma. Apelei para o bom senso, a ordem, os bons costumes, a Torah, Deus, Jesus Cristo... “Isso lá é coisa que se faça?! Tenha dó! Posso escutar o lamento lúgubre e pungente que a o prédio deixa escapar pelos seus caibros e rebocos (Eu já era meio poeta, né?!) Tenha dó!” Não houve meios de convencê-los ou de desconvencê-los a pôr a estação abaixo (que exagero! Seriam uns vidrinhos, apenas).

Os Brunos estavam excitadíssimos com a idéia. A bem verdade, Renan era tudo o que o judaísmo não nos permitia ser. Além do que ele é confiável, seria discreto, nunca que contaria pra alguém. Nunca! Jamais! “Então, vamos.”

Fomos. Entramos na linha do trem e paramos em frente a estação. Como item tradicional das linhas férreas, os trilhos eram sobrepostos em madeiras e pedras. Muitas pedras! Renan começou. Pegou uma pedra e lascou-a na vidraça. Eu, resignado, ainda balbuciava algumas cantigas judaicas que lembrei para pedir perdão ao Supremo Deus. Um dos Brunos, movido pelo dever masculino de não se permitir ser ultrapassado em força, coragem ou tamanho da... bravura, abaixou-se, pegou a pedra e lanço-a numa trajetória elíptica acrescidos dos movimentos em torno do seu próprio corpo – mui semelhantes à rotação da Terra (Ah, quero aproveitar a ocasião para dizer muito obrigado à Dona Emni pelas aulas de Física! Devo tudo o que sei às suas explicações precisas e também a seus olhos de secar pimenta que nos fazia derreter sobre a cadeira da escola “Lamounier de Andrade”).

– Wow! Que isso?!, alguém gritou.

- Deus seja louvado!, emendei.

Corremos! Corremos muito. Pulamos os trilhos e ganhamos a agitação do centro da cidade para despistarmos do nosso delator. Estávamos perdidos! Alguém havia nos visto, anotado nossas placas e agora nos perseguia com ferozes cães antropofágicos! Seríamos expulsos do país (começou a ficar bom!) e ficaríamos longe das nossas mães e seus comprimidos para engordar!

Mas que nada! A misteriosa voz que nos repreendeu não prestou queixa à Suprema Corte Pan-americana dos Direitos das Estações Ferroviárias Abandonadas e Mal-assombradas, como imaginei que faria. Até fiz algumas contas: Renan pegaria mais tempo de prisão enquanto eu ficaria menos porque apenas fui cúmplice e não propriamente criminoso. Quando se tem onze anos qualquer repreensão é associada à polícia, pisa dos pais, cadeira elétrica... Mas evidentemente, não!

Ficamos (e estamos até hoje) impunes. Pelo que me lembro, esta foi a primeira noção mais clara que tive de que havia nascido no Brasil, e o que isso significava.

quarta-feira, julho 25, 2007

Opostos - Poesia



Opostos

Seu cinema é minha biblioteca...

Seu desembaraço é minha timidez...

Sua emoção é minha razão...

Seu riso é meu siso...

Sua resolução é minha confusão...

Seu hard core é minha MPB...

Sua ansiedade é minha calma...

Sua balada é minha TV...

Seu campo é minha praia...

Sua alegria-jovem é minha infância-adulta...

Sua ocupação é meu ócio...

Sua oscilação é minha monotonia...

Seu humor é minha seriedade...

Seu Harry é meu Drummond...

Sua tribo é minha solidão...

Suas palavras é meu silêncio...

Sua metrópole é meu sertão...

Mas abro os olhos de esse meu breve sonhar,

E desando à vida de dor e solidão.

Da lua, observo uma nuvem abraçar e levar

As diferenças – unidas num único coração.


Águas de Março - É pedra


sexta-feira, julho 20, 2007

Dia do Amigo

"Depois de algum tempo você aprende que verdadeiras amizades continuam a crescer mesmo a longas distâncias, e o que importa não é o que você tem na vida, mas quem você tem na vida."
Shakespeare

Aos amigos de uma semana e aos de 20 anos...
Aos perto do coração mas longe dos olhos...

Feliz Dia do Amigo!




quarta-feira, julho 18, 2007

Pobre de Rico

Fui demitido às seis da manhã de hoje. Mexeram no meu queijo e eu estou aprimorando minha cara palhaço pela frequencia com que a uso. (Aliás, foi difícil achar um nariz que me servisse (tiveram que buscar no estrangeiro), afinal, Deus não poupou nariz ao me criar).


Com mais essa demissão, minhas condições
sócio-econômicas passam a ser algo que só o
fogo da poesia pode descrever.
E ficou assim:



Pobre de Rico

Meu lar
É no meio do mar,
No meio da rua
Feita da luz da lua.

Minha sorte
É fugir da morte -
Entre as alturas da serra
E a baixeza da terra.

Um belo Ton
É meu melhor som.

Qualquer furto
É meu surto.

Nas paixões eu me lanço.
Nos amores sempre danço.

Minha casa é um pedaço do céu -
Qualquer calçada, que beire o léu.

A angústia coletiva é buscar Ter.
Minha paz particular é saber Ser.

Notícias do Livro/Simplesmente



Notícias do livro "Poeta das Nuvens": A editora prometeu resposta pra final de junho e agora prorrogou pra agosto. Estou para mandá-la às favas (antes que ela me mande).

Enquanto seu lobo não vem, vou aqui fazendo meus orçamentos e planos - se eu for editá-lo por conta própria. Eu já havia decidido que faria o lançamento em setembro, mas talvez eu mude pro fim de semana de 12/10. Ainda não sei. Já estou vendendo minhas córneas pela internet para pagar a publicação.

Queria uma festinha com temática nordestina e alguns amigos e familiares para beber, comer, forrozear e ser feliz. Mas o dinheiro não vai dar. Além do que a maioria da família e amigos estão longe e não quero importuná-los com esse meu capricho. Não viriam mesmo.

Se a editora me aceitar, o livro sai só o ano que vem, mas em compensação terá 250 exemplares nas livrarias de SP e RJ, além festinha de divulgação e comissão de R$ 2,00 sobre cada livro (miséria!). Eu tbm ganharia 50 exemplares para distribuir à bibliotecas, parentes e amigos. Se eu for o publisher, vou distribuir o livro gratuitamente entre amigos e parentes. Pensei em vendê-los. Mas morreria de depressão de ver que ninguém quereria comprar.

Enfim, o livro está todo diagramado, capa e contra capa pronta. Só falta o prefácio que um amigo de Colina já recusou a autoria (!). Agora to esperando a resposta de César. Se ele não tiver inspirado tbm vou escrever eu mesmo e assinar com o nome do meu gato amarelo "Joaquim Maria Pirandello". Ah, tem uma poetisa cearense (Inah Cabral) que já sinalizou que faria meu prefácio. Mas como achá-la, sem gastar com interurbanos?!

Nesse ou noutro ano... pela editora ou por mim mesmo... com um prefácio humano ou felino... o livro vai sair. "O que se chamava homem, também se chamava sonho - e sonhos não envelhecem".

********

O poema abaixo tbm foi escrito depois da minha demissão. Versos pejados de tristeza e rancor, que já estão passando. A minha centopéia Maria Dina e meu cascão Venâncio estão me ajudando. Tbm tem um anjo me ajudando. Mas devo ser sempre discreto. Enfim, o poema da demissão:

****
Simplesmente

Eu me perdi.
Não sei de quem.
Não sei de onde.
Me perdi, simplesmente.
Eu sumi.
Não sei por que.
Não sei pra quem.
Sumi, simplesmente.

Eu me apaxonei.
Mais uma vez, era a última.
A última foi mais uma vez.
Me apaixonei, simplesmente.

Eu me escondi.
Ela esconde meus defeitos.
Meus defeitos a escondem.
Me escondi, simplesmente.

Eu errei.
Errei quando quis acertar.
Acertei quando não queria nada.
Errei, simplesmente.
Eu viajei.
Com os olhos fechados, vi todo o mundo.
O mundo todo me viu, quando fechei os olhos.
Viajei, simplesmente.

Eu sofri.
Do sofrimento lapidei umas lições.
Das lições gotejaram mais sofrimento.
Sofri, simplesmente.

Eu amei.
De tudo, um pouco.
Do nada, um muito.
Amei, simplesmente.

No amor eu me perco e sumo.
No amor eu me escondo e erro.
No amor eu viajo e sofro.
Eu amo, simplesmente.

Luto da Cráudia

Poeta das Nuvens News recebeu um comunicado de que a apresentadora Cráudia Mirabola é uma das sobreviventes da tragédia com o Airbus da TAM. Veja, na íntegra, a nota oficial divulgada pela apresentadora:

São Paulo, 18 de julho de 2007.

Às 18:45, eu, Cráudia Mirabola, estava na minha casa na Vila Mariana e, portanto, sou uma sobrevivente da tragédia acontecida há pouco. Entretanto, dispo-me do personagem do Pograma Dá, Cráudia, para vir, eu mesma, expor minha densa consternação diante do lamentável fato.

Não são ‘corpos’ como estão nos vendendo essas emissoras de TV com seus helicópteros posicionados como aves necrófagas. Não! São 200 (ou mais) sonhos. Mais de 200 projetos. Mais de 200 idéias para salvar o mundo. Duzentos amores desfeitos. Duzentos amigos perdidos. Duzentas mães que não sabem mais o motivo de ainda estarem neste planeta.

Aproveito esse espaço, também, para atacar a supina ignorância da oposição política deste país ao tentar encontrar, precocemente, os culpados. Sobretudo condeno a ignara senhora deputada federal pelo PSOL gaúcho, que culpou o Ministério da Defesa ainda nas primeiras horas subseqüentes ao acidente. Os culpados, se houverem e sejam qual forem, serão identificados no devido momento. Por ora, é sinal de sabedoria e urbanidade recolhermo-nos ao luto inexpugnável que cada brasileiro traz no imo, desde a noite de ontem.

Minhas mais profundas e sentidas condolências aos familiares dos mortos e desejo de que tenham acrescidas as vossas paz e espiritualidade.

Com amor,

Cráudia Mirabola

segunda-feira, julho 16, 2007

F10 - Poesia


Para ler ouvindo "I Don't To Want Miss a Thing" (antiiiiga).


F10


Caminho meu caminho...
Faço minhas leis...
Isolo minhas solidões...
Durmo meus sonhos...

E sem que se possa prever...
Sem que me advertissem os astros...
Nossos caminhos se cruzam...
Nossas leis se contradizem...
Minha solidão perde-se de mim...
Nossos sonhos se enroscam
Nas ladeiras de outro plano...

A paz da solidão transforma-se,
Sem que eu perceba,
Na paz da sua presença.
O silêncio do mar sussurra,
Num idioma que não ouço,
Meus segredos dos quais eu não falo.
E, de súbito, tudo o que sabia do futuro
Confundem-se, como os traços de uma tela,
Como as cores de uma lúdica aquarela.

Caiu do vento.
Faz-me sorrir.
Conduz-me de perto
A qualquer futuro incerto.


Surgiu na brisa.
Sem se parecer com ninguém.
Sem explicar de onde vem.
Renascendo minha delicada dor
Que teimo chamar de amor.


Águas de Março - É pau...


Bem vindos à série "Águas de Março".
São pequenas crônicas (em geral, autobiográficas)
feitas sob um tema extraído dos versos da
música de Tom Jobim ("é pau, é pedra,
é o fim do caminho"...).


Série Águas de Março – É pau...
(Aos maliciosos de plantão, a porta da rua é serventia da casa).

Não é que eu não goste de esportes. O que acontece é que todas minhas tentativas de me exercitar acabaram em tragédias. Fiquei traumatizado. A última vez que joguei vôlei na vida foi ainda em Colina, interior de São Paulo, no sítio da Carol. Foi assim:

A quadra improvisada ficava debaixo de grandes árvores da espécie Flamboyant. Eu, como sempre, ficava fugindo da bola e preferia ficar na rede onde eu usaria menos a força bruta, se a tivesse. De repente, do silêncio adorável da fazenda ecoou um ‘creck’ seco e alto.

Não nego: sempre fui um pouco vagaroso para as percepções mais óbvias. Sempre peço desenho, tradução e até água com açúcar para entender algumas coisas. Nessa ocasião, o tal ‘creck’ era um galho grande e seco que se desprendia do topo do Flamboyant. Numa perfeita sincronia entre centímetros e centésimos o galho veio direto para minha cabeça.

- Não foi nada! Não foi nada! Vambora!, gritei – envergonhado elevado à noventa e nove avos.
Discretamente, ou melhor, pensando estar sendo discreto (coisa de homem) levei a ponta de dois dedos à minha abóbada craniana. Sangue! Sangue rubro e bruto! Pensei gritar, clamar a todos os santos do céu um pouco de misericórdia e muitos mais anos de vida.

Maldição! Aline estava lá. Não queria fazer alarde (coisa de tímido) muito menos deixar que minha Julieta percebesse que eu era homem de sangue e carne como todos os seus outros namorados.

- O que é isso, Bio? Sangue?

- Sangue?
- Sangue!
- Sangue?!

Ah, que ótimo! Agora os dois times estavam unidos em socorrer-me da Morte que havia chegado com sua tétrica foice para arrastar-me vivo ao inferno. Auxiliaram-me (ou atrapalharam-me) no caminho até a sede enquanto os mais apressados gritavam na frente:

- Fábio está vertendo sangue pela cabeça! Sangue de não acabar mais!

- Jesus! Maria! José!

Buscaram minha mãe na cozinha caipira do sítio ao lado (tinha ido buscar uma receita de bolo de fubá cremoso, de Minas!) para me abençoar com as últimas recomendações antes de partir e desejar boa viagem ao purgatório e dar-me o guarda-chuva e o agasalho, "o tempo pode virar, sabe-se lá!".

- Meu filho! O que aconteceu? Está com a vista escura? Não dorme, Fábio Henrique. Não dorme!
Nessa hora, todo mundo afundava minha cabeça num tanque cheio de água, sal, bicarbonato, pó de café, estrume de bode e chumi-churrí. A cabeça baixa; o acanhamento de estar sendo o centro das atenções fazia o fluxo sanguíneo nos vasos da caixa craniana aumentar (gostaram dos termos? Aprendi no Plantão Médico, lembra?). E com isso o sangue saía mais.

Enfim, estancou-se a sangria. O resto do dia figurei pelos corredores da casa abaixando-me para que as pessoas vissem (e tocassem) o ferimento na cúpula da minha cabeça. "Coitadinho!". Além das piadas, que quem já tomou uma pancada na cabeça em público conhece muito bem: "Ah, tem que tomar outra pra arrumar!"; "Quem sabe agora você fica normal!". Ha ha, que engraçado!

Desde aquele dia, quando naquele sítio ou em qualquer lugar, eu passava longe ou rapidamente por debaixo dos Flamboyants. A ferida já passou. O trauma... está passando.

Pograma Dá, Cráudia

Mais um cadim da Cráudia. Obrigado.

[vinheta]
CRÁUDIA: Voltemos, entonce. Eu quero agradecer aos pessoas dos Brasil tudim que tá ligando pra podrução, parebinando pela qualidade do pograma Dá. Obrigado. Pois entonce nós tamo falano com Transilvânia e Roxana, ob? Antes da Roxana entrar, no palco, o Estácio tem um recadinho pra você, que tá assistino. [virando-se para o backstage] Claro, né? Podrução? Quem num tá assistino, não vai ver o merchang, que burro que escreveu esse trem...?

ESTÁCIO: Bom dia, Cráudia. Bom dia, dona-de-casa. Olha, pára tudo! Pára tudo! Eu tenho um produto que irá revolucionar completamente os seus serviços de casa. Este aparelhinho aqui parece simples mas é uma revolução da indústria de utilidades domésticas. Sucesso nos Estados Unidos, sucesso na Tailândia, líder de vendas na República Federativa do Congo... é sensacional. Fico até emocionado, Cráudia, de ter o prazer de anunciar pela primeira vez no Brasil o fenômeno que é esse produto. Então, preeeesta atenção...

CRÁUDIA: Estácio, meu querino, Estácio. Acabou seu tempo. Desculpa, mas pograma aos vivo, sabe como é, né? Agora sim, Roxana, entre por favor!

[palmas, Roxana entra]

ROXANA: Oiiii, Cráu.

CRÁUDIA: ...dia! Cráudia, por favor. Olha já não fui com sua cara, viu mocinha?! Vou fazer teu quadro porque a podrução já pagou os trinta reais pra vocês, mas se não...

ROXANA: Desculpa, Cráudia. É que não é fácil pra mim ouvi essa pilhéria dessa vagabunda aqui do lado...

TRANSILVÂNIA: Vagabunda é a...

CRÁUDIA: Podrução, traz o milho pra acalmar elas. Traz o milho! Roxana, minha querina. Como você explica esse caso de ficar se rebolando, se remexendo, se quebrando pros marido dela?

ROXANA: Olha, Cráudia. Eu rebolo mermo, me remexo mermo. Quem pode mais chora menos! Se os marido olha pra mim é porque já cansou de ver esses trabuco dentro de casa.

TRANSILVÂNIA: Trabuco?!

CRÁUDIA: Vânia, minha querina, calma, tá? Calma! Roxana, pra ser sincera com você... o que é podrução?! O bibope... O bibope tá caindo? O bibope... Vânia, Roxana, minhas querina, já vamo volta com o caso de vocês, mas é que a... a... Maria Liberta tem um segredo pra contar pro marido, que é uma coisa terrível, uma coisa assim... Eu nunca vi coisa igual, e acho difícil que você, telestador, já tenha vido também igual na tevelisão, nem no rádio, nem no iorkut, olha, terrível mesmo. Maria Liberta tem trinta e um ano e diz: "Meu marido precisa saber o que escondo dele há mais de 13 anos". Maria, entre por favor.

[palmas, Maria entra chorando]

CRÁUDIA: Ô, minha querina, não chora! Podrução coloca aquela música da Enya, de tristeza e suspense, por favor! Entonce, Maria, não chore! Como diria Bob Dylan "Woman no cry!".

MARIA: Mas é que é difícil pra mim, dona Cráudia! É difícil!

CRÁUDIA: Eu entendo você, mas é no máximo quinze minutos. E você e seu marino tão ganhano trinta reais cada um além do misto frio!

MARIA: Ah, tá vou tentar.

CRÁUDIA: Entonce, ob. Mas não esquece do contrato, tá?! Olha, Marina. Seu marino já tá drento, já tá curioso pra saber que co cê esconde dele. E você vai falar pra ele e pros telestador de casa, já já depois dos comerciali. Te espero você, aí de casa!

[vinheta]

quarta-feira, julho 11, 2007

Pograma Dá, Cráudia


Essa é minha primeira tentativa de escrever uma peça. Só um pedacinho cena I.

CRÁUDIA: Oiii
[palmas]
CRÁUDIA: Muitos brigado pra vocês dos Brasil tudo, inteiro do Calhambeque ao Açaí... tá?! Estamo hoje estrelando um pograma novo, um pograma que é a diferença diferente da tevelisão dos Brasil. Eu é Cráudia Mirabola e tô com vocês a tarde toda com muitas variedade, muitos... muitas coisa que vocês vão vê, vão gostá e, ainda vão se indentinficá, tamém, tá?! Bens vindo ao Pograma Dá, Cráudia.
[Vinheta]
CRÁUDIA: Olha, pra começar com a mão direta nosso Pograma Dá, Márcia... nós vai... é o que, produção?... Ah, eu... Hmm, ela... OB! Entonce, a gente vamos conhecer a Transilvânia que é tem uma história abtrusa; vocês vão vê o que aconteceu com a Transilvânia, uma coisa forte, uma coisa terrível, uma coisa... olha, de morte. Transilvânia, entre por favor.
Transilvânia entra, sob palmas.
TRANSILVÂNIA: Boas tarde, Cráudia!
CRÁUDIA: Boa tarde... se diz ‘boa tarde’, viu?! Então, Transilvânia... ah, posso te chamar de Vânia? Posso? OB? É mais fácil pra mim, OB? Entonce, OB. Vânia eu e os Brasil tudo e as pessoa das casa qué sabê cuma foi... que foi que você vei pra cá.
TRANSILVÂNIA: Óia, Cráudia... posso te chamar de Crau?
CRÁUDIA: Claro que não, né?, meu amor! Crau?!
TRANSILVÂNIA: Então, Cráudia, eu vim aqui porcausa do inferno da minha vizinha, Cráudia. Aquilo é uma vagabunda, rapariga, desgraçada, fica olhando...
CRÁUDIA: Vânia, Vânia, minha querida, tenha cuidado das palavra que você usa porque isso aqui é um pograma sério, é um pograma que veio pra revolucionar todas as revolução da tevelisão dos Brasil tudo e eu quero que você use as palavras dereito, tá?! [alterada] Isso aqui não é conversa de cumade, lá do puteiro que você vive, não! Faz favor...
TRANSILVÂNIA: É que eu to nervosa, Cráudia. Eu to nervosa! Mas a minha vizinha, Cráudia, é uma... olha, eu nem sei falar o que aquilo é... fica olhando, fica de olho nos marido da gente, Cráudia... Vê se pode!
CRÁUDIA: Ela deu em cima do seu marido?
TRANSILVÂNIA: Deu em cima... deu embaixo... Nossa Senhora, Cráudia. Aquilo é o capeta no telhado da gente! Ela ponha uns shortinho de mulher fácil, sabe?, e fica subindo e descendo a rua pros marido da gente que tá na calçada ou no barzinho, porque tem um barzinho lá, sabe?
CRAÚDIA: Não, senhora. Eu não sei nem onde você mora, meu anjo. Cuma é que eu sei "o barzinho da rua que você mora"? Cuma é? Num sei, não.
TRANSILVÂNIA: Mas então, Cráudia... Tem criança, nossos fio tudo lá na rua pinano pipa, pulano marelinha e aquela tipona quase pelada desfilano na rua, Cráudia? Pode uma coisa dessa?
CRÁUDIA: Você tem quantos filhos?
TRANSILVÂNIA: Eu tenho quato. Minha cunhada tem cinco. Então lá em casa é nove criança e dois marido que fica teno que esconder a cara pra passar a ‘bonitona’.
CRÁUDIA: Olha, é um casi sérios, uma coisa terrível que está acontecendo na vida dessa senhora... eu acho que sua vizinha não pudia rebolar pros marido... Mas nóis vai conhecê... nóis tudo vai vê agora que que fala a vizinha. Vânia, qual o nome dela?
TRANSILVÂNIA: Roxana, chama Roxana.
CRAÚDIA: Roxana, entre por favor. Mas daqui a pouco, depois dos comercial. OB? Então, OB. Até lá.

[vinheta]

terça-feira, julho 10, 2007

Sindicato dos Feios

Primeiro, devo apresentar-me: Sou Folisciano Dolino Pio. Nascido, criado e formado em Pau d’Arco de Baixo, na Paraíba. Sou o fundador, presidente emérito e presidente em exercício do pioneiro SIFO (Sindicado Internacional dos Feios Organizados).
Eu, do SIFÔ, arrazoei que a pior profissão do mundo (feiúra) carecia de um sindicato. De fato, não é nada cômodo ser feio. Um sindicato, sobretudo Internacional (como o meu) deve ser digno de um rebuscado estatuto. Ei-lo:


REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL
SIFÔ – SINDICADO INTERNACIONAL dos FEIOS ORGANIZADOS
ESTATUTO E REGIMENTO

CAPÍTULO I – Da Criação do Sindicato.
Parágrafo único. A criação deste sindicato foi deliberada em assembléia por seus membros oficiais. Por unanimidade, sua denominação e, portanto, sua sigla, bem como seu presidente foi escolhido.


CAPÍTULO II – Dos associados.


1º. O SIFÔ tem atualmente 1 (hum) membro, a saber, Folisciano Dolino Pio, que exerce ainda a função de presidente, vice, tesoureiro, 1º secretário, 2º secretário, 1º suplente, 2º suplente, colaborador, patrocinador, apoiador, conselheiro, porteiro, ouvidor, faxineiro, publicitário, juiz e crítico.
Inciso único. As funções poderão ser exercidas simultaneamente.


2º. É de conhecimento geral que há centenas de milhões profissionais nesta área. Portanto, é função do departamento de publicidade do Sindicato fazer saber (com apropriado alarde) à população em geral a sua potencialidade para o cargo de sócio.

Inciso i. Será função do juiz, severíssimo e austerobilíssimo senhor Folisciano, determinar a existência ou não da feiúra em um pretenso associado.
ii. Será responsabilidade ainda do juiz, se determinada feiúra existente, outorgar ao membro(a) o seu tipo de feiúra.


CAPÍTULO III – Dos tipos e graus de feiúra


Parágrafo 1º. Há, como necessária e inofensiva distinção de associados, dois tipos de feiúra, a saber, feiúra passiva e feiúra ativa.


I. Denomina-se do tipo feiúra passiva o indivíduo feio, em condições desfavoráveis.
a. (Emenda de 15/05/2007) São aceitáveis as seguintes condições desfavoráveis: Prisão, pobreza extrema, ternos que não sejam pretos ou azuis escuros, uso temporário de aparelho de correção bucal, uso de óculos de bacião, pijama, sunga ou biquíni listrados, entre outros a serem aprovados em assembléia.
b. NÃO são condições desfavoráveis: cor da pele, raça (mesmo os bolivianos), transformismo e nível de escolaridade ou nível de analfabetismo.


II. Denomina-se do tipo feiúra ativa o indivíduo feio, mesmo se excetuadas as supra referidas condições desfavoráveis.
a. Serão feios ativos os associados ricos, porém feios; vestindo roupas de grifes de renome, porém ainda feios; enredada de muitos feios, e ainda assim feio.


Parágrafo 2º. Dos graus. Apenas a feiúra ativa será classificada em graus. A escala será de 1 (hum) à 5 (cinco) onde entende-se que 1 (hum) será feio pero no mucho e 5 (cinco) feio pra caraimba. (Emenda de 12/05/2007: As expressões de classificação são de origem latina.)

CAPÍTULO IV – De como associar-se.


Parágrafo 1º. Poderão requerer associação formal os indivíduos de qualquer nacionalidade, de idade suficiente para a conscientização de sua própria feiúra.
I. A associação poderá ser espontânea ou compulsória.
a. Associação espontânea será onde o próprio indivíduo, sabedor de seu potencial como feio, requererá o seu ingresso no áureo sindicato.
b. Associação compulsória acontecerá quando, por meio de Ação Popular, o Ministério Público decretará a associação do gênero incorfomabbilis feiis.


Parágrafo 2º. Os interessados deverão preencher e enviar a ficha de inscrição do Anexo I e enviar para o ouvidor deste sindicato. Junto com a ficha deverão ser anexadas duas fotos do pretenso associado, a saber, uma de cara naturallis e outra sorrindo.


Inciso único. Entende-se que o sorriso é expressão facial multi-muscular capaz de atenuar ou asseverar a feiúra de um indivíduo.


CAPÍTULO V – Das Disposições Finais e Transitórias.


Parágrafo 1. Este estatuto poderá ser alterado se deliberado em assembléia por maioria de votos válidos.

Inciso único. Os feios classificados à feiúra ativa grau 5 (cinco) terão, em caso de empate, voto de minerva.


Parágrafo 2º. Fica estabelecido como máxima e lema do SIFÔ a seguinte frase de autor ainda desconhecido pelo grupo: "Não julgue minha aparência antes de conhecer meus ideais".
Inciso único. Fica revogada a emenda que instituiu o lema anterior, a saber, "Sominus feius masis tamus nas modinis", em latim; ou, "Sou feio mas tô na moda", na língua portuguesa.

Parágrafo 3º. São nossos parceiros:


I. Na política:


a) Senador da República Jefferson Peres, do PDT-AM.
II. Na música brasileira contemporânea:
O músico e exímio compositor Zé Ramalho.


III. Nas relações ecumênicas:
O gravateiro Henry Sobel.


IV. Nas relações com a mídia:
Seguimento tele – jornalístico:
Boris Casoy.


Parágrafo 4º. Ficam revogadas as disposições ao contrário e cassadas as licenças à grupos, associações e sindicatos de cunho preconceituoso, marxista, socialista, imperial, dominical que firam a liberdade de expressão facial no Brasil, nas Américas, no Planeta.

Publique-se. Cumpra-se.

Caraguatatuba, 10 de julho de 2007.
Folisciano Dolino Pio (FDP).
Presidente

NHACA


Eu, Folisciano, estive na minha primeira reunião junto à Academia NHACA (Neuróticos Hanônimos e Analfabetos de Caraguatatuba).
Abaixo, a versão integral do meu discurso de iniciação.

Companheiros de NHACA,

Ano medonho. Ano desgraçado. 2001. Purguei o 1º ano do Ensino Médio naquela escolinha medíocre, Colégio Raphael Brandão, em Barretos. Na classe fraquinha, eu fui execrado com o boato de que eu não passava de um infame pederastinha.


A calúnia maldosa traspassou as paredes da classe e tomou quase a escola inteira. Pelos corredores, eu vagava com os olhos no chão, os ombros caídos e a cara fechada, carrancuda, franzindo o meio da testa. E eu tinha vários ‘irmãos’ que ‘me serviriam de apoio e proteção da voracidade mundana...’ Esses foram os primeiros (os primeiros!) a ignorar completamente minha presença; os primeiros a desmanchar os grupos quando eu aparecia, como se minha presença tivesse poder para criar uma atmosfera mortífera. Esses ‘irmãos’ – lembro-os bem da cara e nome – são os que desde então (e até hoje!) – debruçam-se em tribunas mal envernizadas para soletrar leis morais e cívicas, das mais santas que a nossa podridão humana pode suportar. Porcos! Imbecis!


Em 2001, além disso (ou talvez por isso), eu perdi Marina. Mês a mês ela foi escapando dos meus braços fracos. Sei apenas que em março/2001 chegou-me um cartão perfumado em que a loira escreveu "Eu te amo", levemente rasurado – a amada errou em ‘eu ti...’. Ti!!!! Loira burra!
Daí para frente, proibiu-se a paixão. "Muito jovens... Há de acabar mal... Ela não presta... Ele não poderá mais entregar o microfone...". Mil e uma desculpas para coibirem nossos encontros. Eu sei que ela não prestava, ou não prestou. Porém, era meu ópio. A diversão, a distração, a esperança, a vontade e o futuro de um garoto de 14 anos. Nem que fosse uma vadia de beira de estrada, dessas que rondam bares de periferia às 11 da noite, trocando-SE por um prato de comida. E quem é que não tem, em algum momento, um gosto definitivamente duvidoso? Quem?!


Próximo do final do ano de 2001, amargurado e emocionalmente extirpado por tudo o que ocorria no colégio, eu adquiri um ódio por minha Virgília. Pessoas, aos meus ouvidos, atribuíam atrocidades das piores possíveis à Marina. "Ela riu de você... falou que você é um palhaço... Está de rolo com o Julião Tavares..." Acreditei e pus fé em cada palavra. Depois, duvidei de tudo e todos. E hoje, acredito; infelizmente, acredito. Maldita sinceridade!


Dessa fase piegas, assola-me a seguinte lembrança. No dia de sua formatura do Ensino Fundamental, topei com Marina, como que ingenuamente atraído pela freqüência inconsciente mas intensa que seu coração transmitia ao meu. Olhei-a, fixamente. Assustado. Ela fez o mesmo. Marina estava muito enfeitada. Cabelos presos no alto. Ridículo. Cara toda empastada. Achei-a feia, pela primeira vez. Virei, sem dizer nem "oi", com uma careta de ódio, ao melhor estilo "Carlos Daniel (d’A Usurpadora)". Pisando firme, fui embora amando-a, mesmo estando tão feia. Loira amaldiçoada.


Na mesma noite, pude, enfim, observar o tal Julião Tavares. Julião Tavares era, então, o meu mais-que-perfeito oposto. Vê-lo era uma experiência parecida com olhar para um espelho ao contrário. Ícone másculo. Ameaçava os mais fracos. Brigava na rua. Muito bom de bola. Corintiano. Falava alto e grosso. Liderava um grupo. E estimulava, a todo o momento e na frente de quem quer que fosse, os bagos, ainda em formação. Julião Tavares, ainda, era bonito. Não muito. Mais que eu, naturalmente. Colocou-se em xeque minha poesia, meu falar manso, meus gestos acentuados ao feminino (às vezes), minha inteligência e minha cultura relativa. Esguirei do rapazola. Não era meu inimigo. Havia sido meu rival; o outro partido da eterna luta entre o bem e o mal; e até hoje não arrisco opinar se eu era o ‘bem’ ou se o ‘mal’. Ah, que importa! Para o inferno!


Agradeço a pequena infante pela minha Poesia que, na mais pura realidade, não vale nada. Nunca valerá. E eu sei disso, muito que bem.

Marina abriu a passagem para outras que vieram posteriormente. Percebo nessas ocorrências desprezíveis, sob o manto inculpe de um amor, uma intenção infernal de me humilhar. Amor acaba sempre em humilhação. Foi assim, novamente, com a ingenuidade carregada da baiana. O mesmo com a altivez incalculável da mineira. E com os outros que, de escusos, é sábio que eu não mencione. Paixões são pedaços seletos e gordurosos que escondem o anzol de mais uma humilhação.

Marina, seguramente, morrerá de tanto amar esse unzinho que ela arrumou agora (não é o Julião Tavares). É possível que as outras morram igualmente, se é que já não morreram de alguma forma.

Apesar dessa maneira áspera de tratar o assunto, vivo muito bem, sem qualquer mágoa; não a ponto de declarar-me inimigo de alguém. Vivo sem inimigos. É o lado bom de uma vida sem muitos, nem maiores amores. Graaaaças a Deus.

Obrigado e uma boa noite a todos.

PS: Ao término do discurso, fui ovacionado e
eleito presidente emérito da NHACA.