sexta-feira, julho 27, 2007

Fim do Caminho

Essa é a crônica final do livro. Encerra o site também.

É o fim do caminho...

Antes de se tornar um mega empresário de sucesso, antes de ser um quase Roberto Justus das tesouras, na pequena colina que nasci... Bruno Sarti não tinha muita ocupação e eu, portanto, adiava a salvação do mundo para brincar com ele.

Não éramos meninos travessos. Nossas brincadeiras eram, a meu ver, mais interessantes e inteligentes que a da média. Uma, em especial, voltou à minha mente quando pensava nesse tema "fim do caminho". Escuta aí:

Não sei dizer nossa idade naquela época. Foi tudo antes da Aline, então deve fazer muito tempo. Penso que tínhamos 7 anos, ou menos. Sucedia que imaginávamos uma vida paralela; algo com a mesma temática desse Second Life que faz os cururus acharem 'skin' mais importante que quem a gente gosta. O nosso Second Life era superior (óbvio!) porque dependia apenas de nós mesmos e nossas férteis mentes. O alpendre ou qualquer outro local tornava-se um estúdio para rodarmos a novela da nossa vida paralela.

Nessa 'vida imaginária e sonhada', casávamos com as mais bonitas da cidade e tínhamos os mais belos carros que a indústria lúdica podia fabricar (e nossos pais, coitados, comprar, ou nossas tias-marias nos presentear). Essa 'existência' era até um pouco encenada (outras lembranças me atrapalham, mas parece que sim). Em geral, era mais narrada com poucos adjetivos e verbosidade miúda. Os anos passavam quando anunciávamos: "Aí, eu..."

Como dois librianos, éramos um pouco distantes um do outro; mas essa distância diminuía quando falávamos sobre nossas 'esposas'. "Aí, eu casei.", anunciávamos assim, secamente. "Com quem?", era protocolo o outro perguntar. E a resposta era uma desvelada confissão de culpa (O amor e o sexo nascem nos corações humanos pejados de culpa e embaraço; só depois é que vamos ficamos assim... descarados). "Aí, eu casei com Fulana..." Era difícil, mas sempre resistíamos ao "hummm, to sabendo, hein?!". Há privacidade e espaço nessa amizade que dura até hoje.

- Aí, eu comprei um Gol, dos novo.

- Aí, eu comprei uma casa no prédio. (Com licença, perdoem mais esses parênteses, mas devo explicar: A expressão "no prédio" é um regionalismo colinense, aplica-se somente àquela cidade por se tratar de um município com somente um grande edifício residencial. Portanto, "Bertano mora num prédio em São Paulo" está correto. Enquanto, "Bertano mora num prédio, em Colina" é erro grave, devendo ser substituído por "Bertano mora nO prédio, em Colina". É isso.)

Bem, não pensem, porém, que éramos assim tão auto-congratulantes como parece. Havia momentos tensos e até assaz trágicos:

- Aí, eu sofri um acidente e arrancou uma perna.

- Aí, eu também, mas foi os dois braço.

...

As reticências na linha cima devem-se ao fato de que fiquei estupefato com essas lembranças. Fiquei sem palavras para entender ou explicar essa brutalidade logo na infância e esse estranhíssimo desapego aos membros. Esquisito! Eu culpo a televisão; a Despertai! vai culpar os videogames; e Freud diria que é sexo, tudo é sexo. Ficar adulto é isso: querer achar culpados por tudo o que acontece; se espantar com tudo o que é diferente da nossa espantosa rotina.

Lá no universo infantil tudo pode e nada traz esse espanto, ou pudor. Lembro até que dizíamos isso com certa naturalidade... mascando um pedaço cheio de nervos de boi morto.

Entretanto, a magia não estava em ficar pulando feito Saci ou com os dois braços escondidos na blusa. Repare no que anunciaríamos pouco depois:

- Aí, cresceu outro braço.

Essa era a mágica! Essa é a magia de ser criança. Se o Pica-pau dá uma machadada na cabeça no Zeca Urubu ela afunda no pescoço e reaparece logo depois. Se o Mário Bros cai no lago de fogo e fecha os olhinhos em cruz, a tela pisca e lá está ele de novo com seu uniforme vermelho e sua boina do Village People.

No mundo de uma criança, não existe "fim do caminho". Lá não entra nossas costumeiras frases de adulto: "Estou perdido", ou "Agora, não tem mais jeito..." Que nada! Tudo é possível. Tudo tem solução. Tudo volta ao normal. Tudo sempre foi normal.

Até hoje, quando deito aqui no solar ou lá na areia da praia para ver as nuvens passar, fico tentando lembrar onde foi que esqueci essa capacidade de não duvidar do final feliz. Será que ela foge com medo dos problemas 'maiores'? Ou é nossa visão que vai diminuindo até o ponto crítico de atribuir as soluções ao dinheiro ou a políticos?

Dessa vez eu vou culpar o Bush; a Despertai! vai culpar a internet; e Freud diria que é sexo, tudo é sexo. No entanto, a verdade é que, com o passar do tempo, vamos deixando de lado essa capacidade de sonhar, imaginar, acreditar e enxergar o pote de jujubas no final do arco-íris.

A alegria e a satisfação de estar vivo estão perdidas na nossa própria infância, esperando (confiante!) que a encontremos novamente, para voltarmos a enxergar todo 'fim do caminho' como apenas mais um recomeço. Eis o tal 'segredo da felicidade'.

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