segunda-feira, julho 16, 2007

Águas de Março - É pau...


Bem vindos à série "Águas de Março".
São pequenas crônicas (em geral, autobiográficas)
feitas sob um tema extraído dos versos da
música de Tom Jobim ("é pau, é pedra,
é o fim do caminho"...).


Série Águas de Março – É pau...
(Aos maliciosos de plantão, a porta da rua é serventia da casa).

Não é que eu não goste de esportes. O que acontece é que todas minhas tentativas de me exercitar acabaram em tragédias. Fiquei traumatizado. A última vez que joguei vôlei na vida foi ainda em Colina, interior de São Paulo, no sítio da Carol. Foi assim:

A quadra improvisada ficava debaixo de grandes árvores da espécie Flamboyant. Eu, como sempre, ficava fugindo da bola e preferia ficar na rede onde eu usaria menos a força bruta, se a tivesse. De repente, do silêncio adorável da fazenda ecoou um ‘creck’ seco e alto.

Não nego: sempre fui um pouco vagaroso para as percepções mais óbvias. Sempre peço desenho, tradução e até água com açúcar para entender algumas coisas. Nessa ocasião, o tal ‘creck’ era um galho grande e seco que se desprendia do topo do Flamboyant. Numa perfeita sincronia entre centímetros e centésimos o galho veio direto para minha cabeça.

- Não foi nada! Não foi nada! Vambora!, gritei – envergonhado elevado à noventa e nove avos.
Discretamente, ou melhor, pensando estar sendo discreto (coisa de homem) levei a ponta de dois dedos à minha abóbada craniana. Sangue! Sangue rubro e bruto! Pensei gritar, clamar a todos os santos do céu um pouco de misericórdia e muitos mais anos de vida.

Maldição! Aline estava lá. Não queria fazer alarde (coisa de tímido) muito menos deixar que minha Julieta percebesse que eu era homem de sangue e carne como todos os seus outros namorados.

- O que é isso, Bio? Sangue?

- Sangue?
- Sangue!
- Sangue?!

Ah, que ótimo! Agora os dois times estavam unidos em socorrer-me da Morte que havia chegado com sua tétrica foice para arrastar-me vivo ao inferno. Auxiliaram-me (ou atrapalharam-me) no caminho até a sede enquanto os mais apressados gritavam na frente:

- Fábio está vertendo sangue pela cabeça! Sangue de não acabar mais!

- Jesus! Maria! José!

Buscaram minha mãe na cozinha caipira do sítio ao lado (tinha ido buscar uma receita de bolo de fubá cremoso, de Minas!) para me abençoar com as últimas recomendações antes de partir e desejar boa viagem ao purgatório e dar-me o guarda-chuva e o agasalho, "o tempo pode virar, sabe-se lá!".

- Meu filho! O que aconteceu? Está com a vista escura? Não dorme, Fábio Henrique. Não dorme!
Nessa hora, todo mundo afundava minha cabeça num tanque cheio de água, sal, bicarbonato, pó de café, estrume de bode e chumi-churrí. A cabeça baixa; o acanhamento de estar sendo o centro das atenções fazia o fluxo sanguíneo nos vasos da caixa craniana aumentar (gostaram dos termos? Aprendi no Plantão Médico, lembra?). E com isso o sangue saía mais.

Enfim, estancou-se a sangria. O resto do dia figurei pelos corredores da casa abaixando-me para que as pessoas vissem (e tocassem) o ferimento na cúpula da minha cabeça. "Coitadinho!". Além das piadas, que quem já tomou uma pancada na cabeça em público conhece muito bem: "Ah, tem que tomar outra pra arrumar!"; "Quem sabe agora você fica normal!". Ha ha, que engraçado!

Desde aquele dia, quando naquele sítio ou em qualquer lugar, eu passava longe ou rapidamente por debaixo dos Flamboyants. A ferida já passou. O trauma... está passando.

0 Comentários:

Postar um comentário

Assinar Postar comentários [Atom]

<< Página inicial