terça-feira, julho 10, 2007

NHACA


Eu, Folisciano, estive na minha primeira reunião junto à Academia NHACA (Neuróticos Hanônimos e Analfabetos de Caraguatatuba).
Abaixo, a versão integral do meu discurso de iniciação.

Companheiros de NHACA,

Ano medonho. Ano desgraçado. 2001. Purguei o 1º ano do Ensino Médio naquela escolinha medíocre, Colégio Raphael Brandão, em Barretos. Na classe fraquinha, eu fui execrado com o boato de que eu não passava de um infame pederastinha.


A calúnia maldosa traspassou as paredes da classe e tomou quase a escola inteira. Pelos corredores, eu vagava com os olhos no chão, os ombros caídos e a cara fechada, carrancuda, franzindo o meio da testa. E eu tinha vários ‘irmãos’ que ‘me serviriam de apoio e proteção da voracidade mundana...’ Esses foram os primeiros (os primeiros!) a ignorar completamente minha presença; os primeiros a desmanchar os grupos quando eu aparecia, como se minha presença tivesse poder para criar uma atmosfera mortífera. Esses ‘irmãos’ – lembro-os bem da cara e nome – são os que desde então (e até hoje!) – debruçam-se em tribunas mal envernizadas para soletrar leis morais e cívicas, das mais santas que a nossa podridão humana pode suportar. Porcos! Imbecis!


Em 2001, além disso (ou talvez por isso), eu perdi Marina. Mês a mês ela foi escapando dos meus braços fracos. Sei apenas que em março/2001 chegou-me um cartão perfumado em que a loira escreveu "Eu te amo", levemente rasurado – a amada errou em ‘eu ti...’. Ti!!!! Loira burra!
Daí para frente, proibiu-se a paixão. "Muito jovens... Há de acabar mal... Ela não presta... Ele não poderá mais entregar o microfone...". Mil e uma desculpas para coibirem nossos encontros. Eu sei que ela não prestava, ou não prestou. Porém, era meu ópio. A diversão, a distração, a esperança, a vontade e o futuro de um garoto de 14 anos. Nem que fosse uma vadia de beira de estrada, dessas que rondam bares de periferia às 11 da noite, trocando-SE por um prato de comida. E quem é que não tem, em algum momento, um gosto definitivamente duvidoso? Quem?!


Próximo do final do ano de 2001, amargurado e emocionalmente extirpado por tudo o que ocorria no colégio, eu adquiri um ódio por minha Virgília. Pessoas, aos meus ouvidos, atribuíam atrocidades das piores possíveis à Marina. "Ela riu de você... falou que você é um palhaço... Está de rolo com o Julião Tavares..." Acreditei e pus fé em cada palavra. Depois, duvidei de tudo e todos. E hoje, acredito; infelizmente, acredito. Maldita sinceridade!


Dessa fase piegas, assola-me a seguinte lembrança. No dia de sua formatura do Ensino Fundamental, topei com Marina, como que ingenuamente atraído pela freqüência inconsciente mas intensa que seu coração transmitia ao meu. Olhei-a, fixamente. Assustado. Ela fez o mesmo. Marina estava muito enfeitada. Cabelos presos no alto. Ridículo. Cara toda empastada. Achei-a feia, pela primeira vez. Virei, sem dizer nem "oi", com uma careta de ódio, ao melhor estilo "Carlos Daniel (d’A Usurpadora)". Pisando firme, fui embora amando-a, mesmo estando tão feia. Loira amaldiçoada.


Na mesma noite, pude, enfim, observar o tal Julião Tavares. Julião Tavares era, então, o meu mais-que-perfeito oposto. Vê-lo era uma experiência parecida com olhar para um espelho ao contrário. Ícone másculo. Ameaçava os mais fracos. Brigava na rua. Muito bom de bola. Corintiano. Falava alto e grosso. Liderava um grupo. E estimulava, a todo o momento e na frente de quem quer que fosse, os bagos, ainda em formação. Julião Tavares, ainda, era bonito. Não muito. Mais que eu, naturalmente. Colocou-se em xeque minha poesia, meu falar manso, meus gestos acentuados ao feminino (às vezes), minha inteligência e minha cultura relativa. Esguirei do rapazola. Não era meu inimigo. Havia sido meu rival; o outro partido da eterna luta entre o bem e o mal; e até hoje não arrisco opinar se eu era o ‘bem’ ou se o ‘mal’. Ah, que importa! Para o inferno!


Agradeço a pequena infante pela minha Poesia que, na mais pura realidade, não vale nada. Nunca valerá. E eu sei disso, muito que bem.

Marina abriu a passagem para outras que vieram posteriormente. Percebo nessas ocorrências desprezíveis, sob o manto inculpe de um amor, uma intenção infernal de me humilhar. Amor acaba sempre em humilhação. Foi assim, novamente, com a ingenuidade carregada da baiana. O mesmo com a altivez incalculável da mineira. E com os outros que, de escusos, é sábio que eu não mencione. Paixões são pedaços seletos e gordurosos que escondem o anzol de mais uma humilhação.

Marina, seguramente, morrerá de tanto amar esse unzinho que ela arrumou agora (não é o Julião Tavares). É possível que as outras morram igualmente, se é que já não morreram de alguma forma.

Apesar dessa maneira áspera de tratar o assunto, vivo muito bem, sem qualquer mágoa; não a ponto de declarar-me inimigo de alguém. Vivo sem inimigos. É o lado bom de uma vida sem muitos, nem maiores amores. Graaaaças a Deus.

Obrigado e uma boa noite a todos.

PS: Ao término do discurso, fui ovacionado e
eleito presidente emérito da NHACA.

0 Comentários:

Postar um comentário

Assinar Postar comentários [Atom]

<< Página inicial