sábado, maio 26, 2007

Os Inventores

Para dois generosos e valiosos amigos,
César Dias e Cremilson Silva.
Dedicado as inesquecíveis Marilda e Susi.
Saudades, muitas saudades.



Os Inventores

Diz a lenda que muito, muito antes de Deus criar o humanos, esteve preparando o planeta Terra com muito, muito cuidado.

Após criar e dar forma à esfera, resolveu o Divino encher com água os largos e profundos canais. Chamou a si o anjo Guímel e disse:

Designo-lhe responsável por longe ou perto buscar
Águas para abastecer e esta esfera adornar.

Guímel sentiu-se extasiado por receber uma ordem do próprio ’El Shad·daí. Saindo da corte celestial ouviu a voz de trovão realçar um ponto importante:

Estás livre para ir quando quiser,
Mas tem 24 horas para muitas águas trazer.

Imediatamente, um grande relógio começou a girar nas horas e nos minutos, regressivamente. “23h59min.” notou Guímel e apressadamente saiu.

Rodou galáxias e mais galáxias até encontrar outra esfera azul, com muita água e uma grande fonte cósmica de água. “Achei!”, pensou. “Como transportá-la?”, era a questão. Neste momento passava por ali o sábio anjo Lâmede. Guímel lhe disse:

Lâmede, prezado senhor,
Preciso todas essas águas para a Terra levar –
Águas sem cheiro, peso e cor –
No entanto, parece impossível com tudo isso lá chegar.

Lâmede olhou compassivamente para os olhos de Guímel, fez-lhe um sinal para que esperasse e voou para longe. Guímel consultou o relógio. “19h50min”.

Lâmede então foi rapidamente até um canto do Universo. Puxou com força um pedaço do pano mágico que resguardava e determinava os limites do Universo. Dobrou o grande pano e voltou para o planeta em que estava o outro anjo e disse:

Longe, muito longe onde não há vida nem barulho
Busquei este mágico tecido para as águas juntar,
Num único e grandioso embrulho.

Tentaram em vão. Difícil tarefa para os dois anjos. Segurar o tecido mágico e ainda colocar todo aquele líquido dentro. Por fim, desistiram. “Impossível”, diziam enquanto notavam a virada do relógio: “14h05min”.

Passando por perto e atraído pelos rumores, os anjos Nune e Tau chegaram perto. Guímel chamou-os:

Oh, Nune e Tau, vossa ajuda nos será mui importante;
Devemos levar toda essa água para um novo planeta distante.

De pronto, Nune e Tau aceitaram. Após pensarem um pouco ficou decidido que cada anjo – Nune, Tau, Lâmede e Guímel – pegariam em cada uma das quatro pontas do tecido mágico e transportaria o líquido assim, feito uma grande piscina ambulante. Guímel sentiu-se profundamente aliviado. Com receio, consultou o relógio percebendo quanto tempo havia passado, sem que notasse. “09h26min”.

Estava pesado, muito pesado. Mas com esforço mútuo, os quatro prosseguiam atravessando galáxias para chegar até Terra. Conseguiam rir, às vezes, da situação em que estavam. Se um se mostrasse abatido e cansado, trocavam de postos para aliviar e fortalecer o outro.

Um problema não estava previsto. Quando passavam próximos a uma poderosa fonte de nitrogênio, toda a água se congelava e era completamente impossível prosseguir. Era preciso voltar e recomeçar evitando o caminho do frio. Todavia, com a mudança de trajeto passavam próximos a grandes e tórridas estrelas maiores, muito maiores que o Sol que vemos hoje e toda a água virava vapor e era, outra vez, necessário voltar ao Planeta Fonte e recomeçar a tarefa.

Enquanto pegavam novamente água na Fonte, Guímel olhou frustrado para o relógio. “05h12min”. “Não será possível!, se desesperava. Outra vez a água congelará ou evaporará!”

Neste momento cruzou três lindas luzes pelo céu do Planeta Fonte. Era Tsadê carregando dois objetos que encontrara numa galáxia do infinito, uma grande bola de fogo e uma pequena esfera frígida. O anjo Tau pensou rápido e chamou Tsadê para perto, dizendo:

Eis que nossa laboriosa missão está sendo, de toda, fútil,
Mas estes poderosos luzeiros nos serão muito úteis.

Tsadê aceitou a oportunidade de ajudar os outros quatro anjos. Funcionaria assim. Enquanto passassem por uma estrela cheia de calor, Tsadê passaria aquela esfera gélida pela improvisada piscina de tecido, que transportava as águas, para evitar que ela se evaporasse. Por outro lado, pelo tempo que estivessem passando perto das grandes e intensas fontes de frio do Universo, Tsadê usaria a grande bola de fogo para controlar a temperatura das águas que encheriam a Terra. A grande esfera amarela, de tão forte, não se apagava com toda a água. “03h09min”. Era preciso serem rápidos.

E deu certo. Passaram celeremente pelas fontes de calor e frio. Tsadê exerceu bem sua função. Ele olhava com carinho para os outros quatro anjos. Sentiu-se feliz. Além disso, encantava-se com o grande tecido mágico; escuro como o Universo, apesar de que um dos lados, o que esteve em constante contato com a água, ter desbotado gravemente.

“Missão cumprida”, pensou Guímel, satisfeito e orgulhoso, ao avistar a Terra; e ainda faltavam vários minutos para vencer o prazo dado pelo Senhor do Universo. “01h04min”.

“Ah! Que danação!”, pensou Nune e avisou:

Ah! Eis que uma chuva de meteoros nos atingirá
O tecido virará peneira e água se escoará!

Os cinco anjos se protegeram como puderam da terrível chuva. No fim, que decepção! Nem um pingo de água sobrara e o tecido estava todo esburacado. Guímel olhou o relógio. “00h31min”.

Obviamente, não daria tempo de recomeçar a luta – buscar o tecido, a água e a voltar à Terra –, e sentiram-se humilhados ao escutar que ’El Shad·daí os chamava.

Com as cabeças baixas e as asas arqueadas, entraram um a um, na Corte Suprema Celestial. Guímel, Nune, Tau, Lâmede e Tsadê.

Nem era preciso dizer, mas ’El Shad·daí dirigiu-se aos cinco:

Bem sabeis vós que um prazo fora estabelecido,
Não cumpristes, é a verdade.
Contudo, o tempo não esteve de todo perdido,
Vi que, em 24 horas, vós criastes um sentimento novo, a amizade.

Seus semblantes se iluminaram um pouco. Realmente, apesar do fracasso, notaram uma ligação extra-natural que haviam desenvolvido entre si, durante as 24 horas que estiveram unidos.

Como recompensa pela descoberta, ’El Shad·daí, compreensivo e benigno, designou os cinco para uma tarefa simples, mas admirável. Quatro anjos, do grupo, estenderiam aquele grande tecido para proteger o novo Planeta da claridade e oscilações de temperatura do Universo. Por 12 horas, ficaria a parte clara virada para a jovem esfera, enquanto Tsadê passearia com a bola de fogo pelos céus. Por outras 12 horas, viravam o tecido, que deixavam o planeta no escuro (apesar dos vários furos que permitiam escapar luzes cósmicas), e Tsadê passaria segurando seu escudo gélido pelo firmamento.

E até hoje, ainda é possível encontrá-los na mesma função. De felizes, fazem espetáculos a cada ‘virada’ da cortina da noite. Cada vez mais íntimos e familiares, sentem-se felizes por terem descoberto esse misterioso sentimento, que se caracteriza por amor – com muito ou, às vezes, sem respeito algum, mas ainda assim, amor, dos mais verdadeiros e puros que é possível existir.

Os Inventores da Amizade são até hoje os Guardiões do Dia e da Noite. Por isso que esse sentimento não é afetado pelas viradas do tempo, como todos os outros sentimentos do mundo.

Afinal, o planeta é mesmo cheio dessas coisas e seus milagres naturais, previamente estabelecidas por ’El Shad·daí. Com o dia e a noite, os amigos também se distinguem por serem elementos simples... Naturalmente simples e simplesmente inevitáveis, essenciais e inesquecíveis.

1 Comentários:

Anonymous Anônimo disse...

Menino! Baixou um Paulo Coelho em você? rsr
Zadig e a Bruxa de Portello, onde foi que você escondeu?

hihih
desculpa a brincadeira.
Gostei desse.

Bjitos.

sábado, maio 26, 2007 4:31:00 PM  

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