Carta Pública a Santos Dummont
Esse meu texto é um pouco antigo. Achei-o revirando minhas pastas aqui. Espero que gostem. Muito obrigado pelas visitas!
Caetité – BA, 06 de dezembro de 2006.
Prezado Santos Dummont,
Venho agradecer-lhe formalmente tudo o que fizeste por nós. Sei que não está mais nesta Terra, ou está ainda mais plenamente. Ainda assim, sou-lhe grato. Sim, também pelos aparelhos barulhentos e velozes. Mas, ainda mais, por tornar o impossível alcançável.
Voar. Até o verbo que arranjaram é formoso. Tem uma leveza própria do ato que denomina. Todos voam! Uns custam aprender, precisam então das máquinas e do dinheiro. Outros custam descer dos céus; voam a todo o tempo, não pagam muito e bem por isso abusam da liberdade de ter asas.
Encontro-me, ilustríssimo Senhor Dummont, no último caso. O dinheiro não deu para entrar em uma das suas máquinas. Necessitei aprender a voar de instrumento diverso.
Montei-o, com muito esmero, aqui mesmo em meus pensamentos. Os assentos são algumas nuvens que entraram pela minha janela no inverno. Se tem faróis? Como não teria? As estrelas cadentes não realizaram meus pedidos, confinei-as, portanto, a suprirem as luzes que minha máquina careceu.
Os homens, senhor, não usam mais as hélices. Acham-nas sem segurança. Em meu aparelho de voar, mantive-as. A juventude, a meninice, o ‘não preocupar-se’ infantil e a ingenuidade começaram a escorrer de minhas mãos; por pouco não as detenho, por pouco fico sem as quatro hélices de minha aeronave.
O motor é potente, não nego. Não espalha ruídos nem fumaça. Dentro da engrenagem achará umas correias de amor, rolamentos de saudade, um dispositivo de amizade verdadeira e dutos de compaixão por outros. Havia também ódio, tinha também inveja, ainda portava algumas faíscas de um amor perdido; mas estes estavam muito pesados, faziam-me perder a altura.
O querosene, esmerado Senhor Santos, estava muito cara. Pesquisei, sim! Mas não pude pagar a exorbitante cifra que me pediram. Nem por isso fiquei no chão. Enchi o tanque com sonhos; meus sonhos de menino que não tinham mais nenhuma serventia. Engasgou um pouco, talvez até previsse; mas alçou vôo e, no cantinho mais azul do céu, fez belas acrobacias.
Enfim, está pronta! Viajo por entre rios cristalinos e mares azuis, montanhas de esperança e vales de medo. Encontro amigos. Encontro amores. São as asas que me separam do mundo real e do universo de ilusões (apesar de às vezes não saber distinguir qual dos dois é o verdadeiro).
Sempre que a saudade dói, sempre que falam que sou o que não sou, sempre que falam que não sou o que sou, sempre que quero vê-lo, sempre que quero achá-la, sempre que ninguém me entende ou quando eu não consigo entender ninguém... nessas horas, giro a chave, feita com o tempo, e elevo-me para mais perto das nuvens; fico diante das estrelas; dou uma ou duas voltas no Sol. Por onde passo, deixo um pedaço do meu coração. Acha isso insensato, Santos? Que nada! É só uma desculpa para poder voltar.
Atenciosamente,
Fábio Henrique
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