quarta-feira, novembro 29, 2006

Vê é a pê quê pê

Meu primeiro post. Espero que gostem. Aos poucos, este blog substituirá o meu flog. Beijos.
Toda a vida, eu fui o cisnezinho feio. Na escola, no trabalho e em todo canto, eu não entendia o mundo e o mundo não me entendia.Dos seis até os oito anos, as professoras agarravam minhas bochechas e balançavam, mordendo os lábios. Minha primeira professora chamava-se Ana Cláudia. Ela tinha um cuidado todo especial comigo. Sempre me protegia da truculência dos outros garotos e da vaidade das meninas.No fim da pré-escola (alfabetização), a despedida foi sofrida. Ana Cláudia mudaria para a capital. Estava casada e seguiria sua vida. Foi uma separação difícil, mas necessária: eu precisaria impor minha diferença e não sempre esperar que outros a explicassem por mim.
Na quarta série, chamávamos a professorinha de Mara. Sua feição parecia ter saído de uma tira de Ziraldo. Óculos redondos, cabelo cheio, sorriso largo. A função da Dona Mara na minha vida foi de exposição. Peças teatrais, entrevistas de personalidades da cidade... enfim, Mara fazia de tudo para que eu ficasse exposto ao mundo e às suas reações à minha presença. Lembro-me muito mal de uma peça que ensaiamos. Eu, ridiculamente, fazia o papel de um rei e a princesa... ah! a princesa! A princesa era Andressa. Por mais difícil que fosse, o nome ainda era mais bonito que a garota. Era sutilmente ruiva, com sardas... No evento que aludo, Andressa usava um vestido branco, parecendo uma fada. Tínhamos poucas falas, éramos figurantes. Não tínhamos as intimidades naturais de um Rei e de uma Rainha. Dona Mara até que tentou, mas... coitada.
Da quinta série em diante, as professoras eram cada vez menos compreensivas. Exceto uma: Teacher Lúcia. Lúcia Bernardes é um socialite. Tratava-me muito bem e me deixou duas lições. A primeira conscientemente: Falar Inglês, além de chique, é necessário. A segunda eu prezo – e uso – muito mais. Confidenciando-nos as aflições da Alta Sociedade Colinense, aprendi com Teacher Lúcia uma lição valiosíssima: sorrir sempre para os que me odeiam e chorar somente nos ombros de quem me ama. Mesmo que rasteira, a paz, às vezes, nasce nos berços da hipocrisia.Todavia, como dizíamos, as professoras não entenderam mais a discrepância entre mim e os outros. Alguns colegas, então, tomaram o papel e serviam como intérpretes do meu eu para o mundo e do mundo para mim.
Da quinta à oitava série, eu gastava minhas horas letivas na companhia dos garotos da classe. Em geral, boas companhias. Não gostavam de estudar e permutávamos favores: eles me aturavam na hora do recreio – posto que não era benévolo deixar-me vagar sozinho pelos pátios – e eu oferecia-lhes provas feitas e trabalhos escolares sem maiores dores de cabeça. Bom negócio esse – não sei se tanto para mim quanto para eles.Sempre quieto, ouvia os meninos falarem de futebol, carros, motos, lavoura e, claro, mulheres. Esse último causava em mim certo constrangimento. A visão que tinham das mulheres era animalesca. Apenas um instrumento para garantir a perpetuação do seu próprio DNA. Mas, o que se havia de fazer? Eu não tinha muita escolha.
Contudo, da primeira à última série do Ensino Médio, passei a me achegar um pouco mais às mulheres. Pouco a pouco, fui descobrindo essa alma encantadora com jeitos sedutores.A convivência feminina é muito mais fina. As mulheres conversam sobre pessoas, sentimentos e acontecimentos... tudo com uma percepção muito mais apurada sobre o que acontece à nossa volta. Os garotos têm uma visão prática, precisa e utilíssima da vida. Mesmo assim, havia momentos que eu precisava de mais. As garotas viam o mundo como uma grande casa de bonecas, onde é preciso respeitar a vida e preservar a espécie – com amor, carinho e muita atenção entre si. E havia horas que eu queria menos.
Mas enfim, fechemos os parênteses e voltemos para os corredores da Escola Estadual “Lamounier de Andrade”, onde fui apresentado às letras. A esta altura do campeonato (Ensino Médio), as meninas eram moças e, em alguns casos, já eram mulheres. As mulheres, portanto, enxergavam no meu ser tudo, exceto um pretendente. Eu exercia – bem ou mal – o papel de conselheiro, confidente, psicanalista ou amigo, simplesmente. Não passava pela cabeça das garotas uma intimidade romântica comigo. Pelo contrário, se meu corpo ou feição às atraía, elas tratavam de suprimir esse anseio, porque “com o Fábio, não vale. Ele é amigo”.Para todos, elas arrumavam – ou ajeitavam – umas as outras. Para mim, não. “Ele é judeu! Não pode!”. Certo, eu não podia mesmo. Na mesma linha que querer não é poder, não poder nem sempre está relacionado com não querer. De qualquer forma, sempre fui tolhido pelos meus colegas: “Isso você não pode, Fábio!”. Perdôo-os, já que a atitude, apesar de coberta de privação, era fartamente recheada de proteção.
Minha intimidade com as garotas e outros fatores levou meus companheiros de escola a “obviamente, duvidar da minha masculinidade; vou dar... porrada!” (Risos) Por certo período de tempo, passei mesmo dando algumas bordoadas; mas em vez de neles, eu golpeava a mim mesmo e me machucava repisando as duras palavras que diziam a mim e/ou a minha ‘honra’.A minha antiga depressão e minha atual insegurança nasceram neste leito de questionamento de todos com respeito a masculinidade de apenas um, no episódio em questão: eu. Por anos, esse foi o maior tabu da minha vida. Odiava as alusões maldosas. Ia do céu ao inferno em alguns segundos se o pesadelo da chacota ameaçasse voltar.Hoje eu tenho prazer em falar sobre isso.
Reconheço minha parcela de culpa nas dúvidas que pairam nos olhos dos meus achegados. O falatório chega porque eu choro quando tenho vontade, uso pulseira de prata, anel de coco, camisa lilás, decoro poemas, já tive LPs da Xuxa, gosto de orquídeas... tudo isso porque meu jeito de provar a masculinidade é diferente de como o resto faz.Tenho muito orgulho de ter nascido – e continuado – varão.
No entanto, sou e não nego mais delicado e sensível que os outros homens. Essa sensibilidade e delicadeza nasceram do fascínio por e do convívio com as mulheres. Tenho paixão por elas – seus modos de pensar, suas maneiras de agir, suas mãos... Aí estava – e talvez ainda está – a dificuldade para as pessoas entenderem esse meu jeito. Achavam diferente. Mas ser diferente é normal.Na cartilha da nossa sociedade machista, garotos devem amar, ou melhor, gostar do corpo da mulher (ao menos parte dele).
Além da forma natural a nós, homens, amo muito mais a essência feminina. Amá-las é algo é bem diferente de querer me igualar a elas. E essa confusão é a principal causa dos freqüentes mal-entendidos de que fui – e sou – alvo.Não me envergonho (mais) disso. Também não me gabo (ainda). Não há motivos para nenhum dos dois sentimentos.Não sou tão frágil a ponto de permitir que meu modo de enxergar as coisas afete minha sexualidade. Não sou tão frágil a ponto de precisar de uma coceira impertinente e ininterrupta para provar minha masculinidade. Não sou tão delicado para precisar saber em qual posição o Corinthians está na tabela do Brasileirão para conseguir provar aos outros minha masculinidade e ser respeitado como HOMEM. Provo minha masculinidade com decência, franqueza, boa-fé, honestidade, sinceridade, e força pra luta... enfim, coisas de homem, coisas de cabra macho... muito macho, sim, sinhô!

0 Comentários:

Postar um comentário

Assinar Postar comentários [Atom]

<< Página inicial