sexta-feira, fevereiro 09, 2007

fabro/fabio

Olha a ousadia: uma das minhas influências na literatura contemporânea é, disparado, Fabrício Carpinejar, Poeta Gaucho. Mesmo antes de conhecê-lo eu havia escrito um texto (Hino da Dependencia) muito parecido com o dele (O amigo que me espera no final da aula). Numa parceria sonhada por mim, juntei os dois textos e o resultado é maçante mas muito bonito (maçante por mim e bonito por Fabro).

O texto expressa os sentimentos que tenho a flor da pele, nesta uma semana de adaptação na nova casa. Tá dificil. Impossível, não. Difícil, só.


O AMIGO QUE ME ESPERA NO FINAL DA AULA II
Fabrício Carpinejar/Fábio Henrique

O amigo é aquele que tem todos os motivos para desistir de você e não desiste.
Você fez por merecer a separação. Exagerou. Afastou o abraço, gritou que ele não o compreende.
Mas o amigo entende até na incompreensão. Aguarda entender.
Eu preciso de um amigo que não me renuncie quando já desisti. Que me lembre de não desistir.
Que seja insistente como o esquecimento dos velhos.
Que desperte o meu humor no desespero, que se desespere com a ausência de notícias.
Um amigo que não numere as páginas do livro. Toda página pode ser a mesma.
Um amigo que sopre meu rosto perto de sua boca, como uma gaita de mão.
Um amigo capaz de esconder seu amor para proteger a amizade e de me aconselhar a seguir o que ele tinha vontade. Um amigo que desconheça minha infância para repeti-la, que conheça minhas dores para não tocá-las, que assobie minha alegria para alardeá-la. Que não me torture com os meus defeitos. Que me perdoe por não ser como ele. Aliás, que me agradeça por não ser igual a ele.
Um amigo que sofra com a injustiça, que chore com a dor, que se indigne com a falsidade e que não esmoreça com a dor da saudade.
Um amigo que não use meus segredos para ganhar outros amigos.
Um amigo que abra o vidro do carro para apanhar o resto do céu. Que cante alto no volante no momento em que ansiava pelo silêncio e me obrigue a dispensar a timidez para desafinar junto. Na estrada, o vento também canta de olhos fechados.
Um amigo que sinta a alma aquecida, o corpo leve e o espírito solto na minha presença.
Um amigo com cheiro de cortina. Isso: cheiro de cortina, com a experiência de enrolar várias e várias vezes o corpo na cortina. E que tenha recebido beijos dos pais com o tecido arregalado no rosto.
Quem se escondeu na cortina deu giros dentro de si e de seus problemas e aprendeu a regressar.
Um amigo que questione minhas frases, proteste meus poemas e sugira mudanças. Preciso de alguém que corra para me salvar da solidão; que bata-me à face para me acordar da melancolia.
Um amigo que supra minhas fraquezas sociais e emocionais. Alguém que entenda minha timidez xucra, minha tristeza repentina e meu riso nasal.
Um amigo que sonhe alto, que tenha a esperteza dos humanos e a lealdade dos animais; alguém que admita os erros, aceite os conselhos, duvide do ‘sim’, enfrente o ‘não’.
Um amigo com capacidade de resolver, dirimir e providenciar. Alguém que sorria mesmo não tendo nada e que chore mesmo tendo tudo.
Um amigo que seja a luz no fim do túnel, o porto seguro no fim de semana, o Sol no fim da madrugada e a lua no fim do entardecer. Preciso de alguém que saiba ler letras, olhares, sorrisos e silêncios.
Um amigo que sempre comece de novo após perder a terceira vida; alguém que acredite no impossível, conte com o possível e que dedique tempo às ilusões.
Um amigo que perca completamente o a faculdade do raciocínio e o decoro em jogos da Seleção, diante de pratos de Pizza e sob o jugo de uma garrafa de Coca-Cola. Um amigo que grite por mim e que, mesmo sendo arriscadíssimo e dificílimo, me aceite como eu sou.
O amigo do primeiro desejo, não do último.
O amigo que não me espera no recreio, o amigo que me espera no final da aula.
O amigo que é a haste do mar, que não fica de pé no barco, para não desequilibrá-lo.
Não quero um amigo que fuja na primeira ofensa, que se isole ofendido num canto, amarrado no orgulho, condicionado às palavras. Um amigo que não fale por mim, que fale através de mim.
Não quero um amigo que me ofenda porque não atendi suas expectativas.
Amigo não tem expectativa, tem esperança.
O amigo vai procurá-lo não sendo necessário. Vai aumentá-lo enquanto está diminuído e vai diminuí-lo para preveni-lo da ambição. O amigo é do contra ao seu lado.
O amigo dirá as verdades por respeito, não se eximirá de opinar, tudo com zelo e contenção. Não abandonará a corda da pandorga ainda que ela sirva de fio telefônico para chuva.
Tive amigos que se fecharam, desapareceram, que me trocaram por uma fofoca, que chegaram à porta e recuaram ao portão.
Esses amigos não foram amigos, se é amigo só depois da amizade. Depois de sofrer com a amizade.
O amigo é como um irmão, que se briga feio, se discute aos pontapés e palavrões e volta a se falar. Volta a se falar porque é irmão. O amigo sempre volta.
Pensando bem, não volta, nunca saiu do lugar. Ele é a rua que atravesso para chegar em casa.

2 Comentários:

Blogger Milene Leite disse...

Olá Fábio!

Como leitora (e grande admiradora) do Fabrício Carpinejar) arrisco dizer que o que fez foi ousado, mas o resultado fez valer!

Lindo texto!

=)

Parabéns!

Se um dia quiser visitar o meu, será bem vindo!

Beijos

terça-feira, fevereiro 13, 2007 12:55:00 AM  
Blogger Milene Leite disse...

Muito obrigada pela vista e elogios!
Fiquei muito feliz!
=D
Principalemente por vir de alguém que escreve tão bem!

Sobre os seus anseios de escrever e ser reconhecido, eu digo que tenho uma opinião.

Escrever é um dom.
E como todo dom, quando descoberto, deve ser usado e aprimorado.

Você tem o dom e sabe usá-lo!

Quando se é bom naquilo que faz (lembrando que isso só é possível quando se faz o que gosta), o reconhecimento vem mais cedo ou mais tarde!

=)

Torço por você!

Beijossss!

terça-feira, fevereiro 13, 2007 1:33:00 PM  

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